10/05/2011

Dia das Mães é sempre domingo

O fato do Dia das Mães ser obrigatoriamente num domingo sempre me encheu de leveza e tranquilidade o peito. Uma dia para se acordar cedo e agradecer àquela mulher que te gerou por agraciar-nos com o milagre da vida. Hoje não poderia ser diferente. Por mais que minha mãe sempre reclame dos presentes que eu dou e por sempre trocá-los por algo mais do seu agrado, hoje mais do que nunca jurei que não ia errar.

Não teria tamanho de roupa maior, cor estranha ou algo fora de moda que a tirasse do sério. Fiz questão de desembrulhar a pequena caixa retangular na frente dela e sacar aquele lindo facão de lâmina reluzente e cabo de prata. Assim como fiz questão de usá-lo na mesma hora retalhando seu dorso até que ela tombasse ao chão branca como as bonecas de porcelana da sua infância. Obrigado, mãe, por nunca mais reclamar de um presente meu.

19/04/2011

Nada de interessante

Deu um jeito para conseguir sair do trabalho mais cedo. Avisou que tinha médico marcado no meio da tarde. Só tinha conseguido aquele horário (era ruim, ele sabia) porque se tratava de um doutor muito concorrido na cidade. Um bom médico judeu de muito conceito. Depois dos trinta, já viu, é ladeira abaixo. Tem que se cuidar, fazer check-up de tempos em tempos e se reciclar com as novas normas ortográficas. Essas manobras não eram problema e ele dava um jeito de fazer isso sempre que podia, tomando cuidado para não banalizar o ato.

Chegou em casa, jogou as chaves na mesa e ligou logo a televisão. Era dia de final de campeonato europeu. Final de temporada era aquela correria e nada como uma consulta estratégica no bolso para sacar uma saída providencial do trabalho. Chegara exatamente no momento das escalações dos times e aproveitou para tirar os sapatos enquanto passava os olhos nos nomes dos jogadores. Fulano de tal não joga hoje, machucado, e um sapato voava pelo canto do apartamento.

Não que Henrique fosse grande fã de futebol, mas a oportunidade de burlar o trabalho numa tarde de quarta-feira era um poderoso afrodisíaco. Na época do colégio ele praticava esportes e chegou a jogar hóquei no gelo quando fez intercâmbio nos Estados Unidos. Estudou os últimos dois anos escolares em Saint Paul e foi eleito o melhor estrangeiro da liga estudantil de Minnesota. Por causa disso foi disputado por universidades que lhes ofereceram bolsas estudantis e todas as vantagens advindas do fato de ser estrela do esporte.

Estava bem encaminhado na vida se não fosse por um acidente de carro que lhe tirou um percentual de visão periférica e alguma articulação do cotovelo. Ficou desiludido e voltou para o Brasil. Foi ao centro da cidade em busca de algum emprego, entretanto não tinha treinamento, experiência ou habilidade específica. Por intermédio de um tio, ou parente próximo, conseguiu emprego no banco onde trabalha até hoje. Seu maior plano até então era se aposentar com saúde pela previdência social.

Dormiu antes do final do primeiro tempo e quando acordou já estava escuro. Acreditava que a desvantagem de morar sozinho era a de que em momentos como esse tudo parecia abandonado até que você mesmo se levantasse e fosse acendendo as luzes para dar vida à casa. O telejornal da noite deixava de iluminar seu pequeno mundo. Passava um chato que gritava. Desliga a televisão e abre a geladeira. Enquanto admirava seu conteúdo, coçava a barriga por baixo da camisa durante um longo bocejo. Nada de interessante.

12/04/2011

O Pirata

Este conto participou da Antologia "Das Palavras", Editora Guemanisse.

O plantão começara numa noite de sexta de muita chuva. Movimento na delegacia com gente chegando e saindo. Muitos barulhos e em bom volume eram inevitáveis. Tudo aquilo configurava um quadro que José Carlos não desejava. Já se sentia velho para uma função que assumiu tarde demais na vida. Passou no concurso para delegado de polícia depois dos quarenta e cinco anos por insistência da mulher.

Chegou à sua mesa rogando praga contra o guarda-chuva esquecido em algum lugar. O cabelo ainda pingava sobre alguns papéis deixados por alguém. Gostaria de ser mais organizado às vezes. Dessa forma teria realizado mais e melhor os seus projetos de vida. Agora só conseguia pensar quando aquele plantão iria terminar.

Em busca de um café foi passando pelo corredor. Parou para falar com os colegas, outros cumprimentou com a cabeça. Andando ainda falou do Fluminense ou do ventilador quebrado. Torcia pelos dois: o time e o bom funcionamento do aparelho. Ambos faziam muita falta: por causa do excesso de volantes no meio-campo e dos incontáveis dias de calor.

Alguém o chamou pelo sobrenome. No fundo não gostava de ser chamado assim. Pensava estar chamando por seu pai, ou seu avô. Uma ilusão auditiva. Demorou a se acostumar com isso. O Évio tinha vindo da rua, chegou molhado também. Bom garoto, bastante profissional. Viu muito filme de tiro na juventude. Disse que precisava de auxílio com um senhor que trouxe da rua. Além do mais se não visse aquilo poderia ficar desacreditado. José Carlos foi atrás de forma mecânica, quase se arrastando.

Um senhor regulando com a sua idade. Podia ter netos até. Usava uma bandana na cabeça e um colete. Sentou-se à mesa com o velho do outro lado. Évio soprou ao seu ouvido se tratar de um pirata. Nunca se vira algo parecido naqueles anos de polícia. José Carlos achou que aquilo devia ser sacanagem. Fez menção de levantar-se quando foi demovido pelo jovem colega a sentar e ouvir o resto. Não acreditava que ele ia insistir em alguma piada e deu um crédito ao rapaz.

Se era pirata não usava tapa-olho e isso foi quase uma decepção. Évio despejou em cima da mesa o que apreendeu do senhor. Um gancho com uma base na qual que ele colocava a mão por dentro, segurando-o pelo ferro e um arcabuz. Achou linda aquela peça, cheia de adornos, muito bem conservada (se conseguisse, levaria para casa). José Carlos sentiu-se velho e obsoleto como aquela primitiva pistola.

Perguntou se ele cometera algum crime. Por que fora detido. Era crime ser pirata? Afinal, a Esquadra Espanhola não ia aparecer na Praça XV. O impacto da surpresa daquele bucaneiro na sua presença aniquilara essas dúvidas. Évio disse que aquele estava causando transtorno aos passantes. Algumas senhoras reuniram-se para chamar a polícia quando ele passou e desceu para ver do que se tratava.

O delegado não achou graça. Na verdade, estava fascinado. Os amigos da rua preferiam os cowboys. Brincadeiras de tiros com a boca, cavalos de cabo de vassoura e diligências de bicicletas. José Carlos preferia navegar em busca de tesouros de chocolate e galeões de sofá. Sempre desejou ser valente como um pirata. Outras crianças ainda gostariam de ser astronautas.

Por um minuto chegou a odiar todo mundo que não fosse pirata. Detestar aquele ambiente de trabalho que não suportava. Os pais que não o incentivaram. Preferiam que ele fosse contador. A mulher impondo a ele ser algo para ela ter outra casa, outro carro. Aquele senhor, sim, que ousara sonhar. Estava disposto a montar sua tripulação e singrar os mares quando foi impedido por velhas rancorosas que não sabem o que é uma bujarrona e o quanto vale uma onça espanhola.

José Carlos lembrou dos bailes de carnaval da sua juventude. Não de forma jocosa, mas de como gostava de se fantasiar (não abria mão do tapa-olho) e de viver a fantasia. Lembrou da banda que montou com os vizinhos e deu a sugestão do nome “Os Corsários”. Do sucesso que faziam na matinês e nos bailes, os mesmos da infância. Queria ser Lennon, queria ser McCartney, queria ser Harrison, queria ser Starr. A estrela apagou e ele tinha que ser alguém na vida. Ele era agora um fantasma dos carnavais passados.

Pediu ao Évio que retivesse o gancho e o arcabuz. Deveria fazer contato com algum familiar do idoso e encaminhá-lo aos assistentes sociais, se necessário. Era noite de sexta-feira, chovia muito, a delegacia estava cheia, não tinha ventilador e o plantão estava só começando. Não tinha conseguido ainda nem tomar um café.

22/03/2011

Se não doesse tanto

Ela entrou no quarto e meu viu. Estava me masturbando em pé com o som tocando Belle e Sebastian tocando nas alturas. Parecia uma dança de apelo erótico mal sucedida aquele contorcionismo que eu estava fazendo.

Enquanto tentava me recompor, ela mexia calmamente em sua pequena bolsa. De lá sacou uma pequena pistola Beretta 950 B, calibre 6,35. Tão coisa de mulher como baton ou menstruação.

Tentei tabar o buraco que jorrava sangue como um chafariz. Minhas mãos ficaram imundas e esparramei o fluído pelo meu rosto como uma máscara. Rolei no chão como um epilético babando meu prório sangue e sujando todo o carpete. O desenho no chão era engraçado e quase dá vontade de rir. Se não doesse tanto.

Um tiro logo no fêmur, bem no fêmur, que junto com o coração é o lugar onde mais dói.

21/03/2011

O anel de noivado

Presenteei meu amor com um anel de noivado e um jantar para celebrarmos. O clima intimista e romântico era perfeito para eternizar aquele momento. Ela estava mais linda do que nunca e mal podia esperar para passar o resto dos meus dias ao seu lado. Foi quando ela tocou no assunto fatal. Que meu cachorro teria que ir morar em outro lugar que não com a gente. A comida quase voltou. Tive que pedir um momento para ir beber água, me recompor. Ela aceitou. Quando voltei, respirei fundo e disse que entendera sua posição e que o amor, acima de tudo, superaria esse episódio.

Sem me sentar ainda pedi que ela estendesse a mão para me passar algo. Com a mão direita em minha direção desci um machado afiado com toda força na altura do pulso dela. Seu rosto se desfigurou pálido e antes de entrar em choque, sem dar um grito, ela vomitou.

10/03/2011

Um presente para selar o amor

Estavam namorando há três meses. Não havia casal mais apaixonado do que aquele, justamente numa fase em que os dois começam a desabrochar, trocar intimidades e fazer com que um entre na vida do outro cada vez mais.

Encontraram por acaso um amigo dele na rua e as apresentações de praxe foram feitas. O amigo que sugerindo algum pretexto qualquer, o puxou para um canto e em tom grave o advertiu que estava namorando uma mulher gorda. O sujeito ficou desfigurado com aquela afirmação. Nunca passara isso pela sua cabeça. A declaração do amigo quase o derrubara no chão, mas se recompôs e seguiu em frente com a mulher amada. Em frente à vitrine de uma joalheria ofereceu-lhe uma gargantilha linda. Era uma extravagância, mas ele dizia que o amor fala mais alto nessas horas. A namorada ia trôpega pela rua, inebriada pela sensação de um romance perfeito.

Chegando em casa, pediu à amada que se sentasse pois gostaria de colocar-lhe o colar. Ela, risonha e suspirando, levantou o cabelo dos ombros. Foi quando ele veio com uma faca por trás rasgando-lhe a garganta de ponta a ponta. A camada de godura dela exigiu que o trabalho fosse repetido com mais força. A única coisa que conseguiu dizer foi um grunhido horrível enquanto o sangue jorrava espesso pela abertura na garganta. Ele pegou a caixa da jóia e arremessou no lixo com força e ódio.

22/02/2011

De olho na comida

Cheguei em casa com algumas compras numa sacola. Coisa que estava precisando para a casa e me ofereci imediatamente para sair para buscar no mercado. Assim que coloquei a sacola em cima da mesa, ela veio furiosa na minha direção como se fosse me agredir. Dizia que já sabia de tudo, que estava me acompanhando a tempos, me seguindo, observando. Gritou, chorou, bateu. Eu não podia acreditar. Aos berros dizia que já sabia que o motivo de ir à rua toda hora era só para comer chocolate escondido. Ela tinha razão, aquela casa era um inferno dietético. Eu vivia num limite insuportável. Me agarrou pela gola e cheirou minha boca. Gritou: amendoim! chocolate com amendoim! canalha!

Minha cabeça ferveu, perdi o controle me lembrando de tudo o que passei nas mãos daquela megera. Todos os limites que ela me impôs e das sobremesas que tive que recusar por sua causa. Gritou que não queria me ver nunca mais. De tão nervoso, babei ao voar em sua direção. Arranquei um dos seus olhos com toda força que consegui naquele momento. De tão possesso fui para o outro olho. Nós dois caídos no chão, comigo por cima e ela tentando lutar em vão. Cavando com os dedos, arranquei seu outro glóbulo com muito custo. Levantei ao ar aquela bola ensanguentada e coloquei na boca, mastigando-a. Uma tinta escura vazou da minha boca enquanto eu gargalhava.

18/02/2011

Discutindo a relação

Um homem está sentado lendo uma revista quando chega um
amigo que o reconhece de longe.

MARIANO (V.O.)
Denis! Grande figura!

DENIS abaixa e revista e levante-se para cumprimentar
MARIANO que vem chegando. Os dois apertam as mãos e se
abraçam.

DENIS
Você por aqui, rapaz?

MARIANO
Pois é, irmão. De vez em quando não
tem jeito. Sabe como é?

DENIS
Sei sim! Mas me conta ai como vão
as coisas?

MARIANO
Então, senta ai que eu te conto.

Os dois sentam-se cada um em uma cadeira, um ao lado do
outro.

DENIS
Senta que lá vem história.

MARIANO
Ouve e me diz se eu tenho razão ou
não.

DENIS
Sou todo ouvidos.

MARIANO
Lembra da Claudinha, aquela com
quem eu estava saindo?

DENIS
A Claudinha amiga da Denise.
Lembro, lógico! O que houve? Não
estão mais?

MARIANO
Não. Veja como são as mulheres. A
gente estava se curtindo, coisa e
tal. Falavámos no MSN há tempos até
que tomei coragem e chamei para
sair. Jantar, cinema, coisa e tal,
pacote básico. Nada que pudesse
comprometer nenhuma performance.

DENIS
À prova de erros!

MARIANO
Aparentemente, veja bem. Fomos ao
cinema, filme de comédia romântica
e depois um jantarzinho. Nada podia
dar errado aquela noite. A conversa
fluía como nunca, eu estava
realmente inspirado. Ela ria das
minhas piadas, sacava minhas
referências. Tudo indicava um
namoro promissor, conspirava ali
coisa de casamento e o caramba.
Universo em alinhamento, amigo!

DENIS
O que houve então?

MARIANO
Foi quando fiz menção a uma coisa,
não lembro qual agora, do que
estava estava fazendo com meus
bonsais...

DENIS
Mas peraí! Você falou de Bonsai?

MARIANO
Falei...

DENIS
No primeiro encontro?

MARIANO
Falei...

DENIS
E ela?

MARIANO
Ela disse que preferia que eu
disesse que era fã de Glee e Gray's
Anatomy, que tomava estrogêneo e
que depilava a virilha do que
cultivar bonsai. Pegou a bolsa e
foi embora.

DENIS
Mas tu também tem cada uma! Esse é
o tipo de coisa que é pra você
deixar dixavado e jurar o contrário
até sob tortura.

A secretária chama o DENIS que se levanta.

DENIS
Toma ai essa revista. Vê se aprende
alguma coisa!

DENIS entrega a revista para MARIANO e sai balançando a
cabeça em reprovação. MARIANO abre a revista, folheando-a.

17/02/2011

A vida vai tão rápido

Suas lembranças eram de sonhar o dia inteiro. Tudo passou como um raio e aquelas lembranças se tornam um borrão. Não pode deixar de se revoltar com o que lhe tiraram: carreira, sucesso e habilidade. Sua conduta era irrepreensivelmente medíocre fora dos rinques. Repetia chorando diante do espelho jamais ter sido tamanho pecador para merecer este castigo físico. Um acidente no qual ninguém se machucou, somente ele que ia no banco de trás dormindo. O carro derrapa no asfalto congelado e bate com a lateral contra um poderoso pinheiro. A lateral do Henrique. A cabeça cortada, fragmentos de vidro nos olhos e um cotovelo esmagado enquanto ninguém mais sofreu nada.

Ele foi um bom momento, pensou. A vida vai tão rápido que só fazemos o que achamos certo. Fechando os olhos e o que passou por sua cabeça foi a história da sua vida. Os bons momentos vão e vêm e tudo aquilo que queria era que durassem um pouco mais. Em sua mente apenas cabia a reflexão sobre os que teve e o por quê deles terem um fim.

Aquele momento com Bia era outro. Desejou ter esse momento para sempre. Como se o tempo parasse se e enquanto prendesse a respiração. Era hora de voltar para casa, o lugar ao qual pertence. Uma terra onde se é permitido sonhar. Com a menina em seus braços se permitiria repensar toda a sua vida longe dos pecados que não cometeu e das penas que cumpriu por isso. Bastava apenas abraçá-la e todas as portas se abririam. Aquela fria e cinza Saint Paul coberta de neve ficou para trás.

O inverno de uma vida se acaba por causa do olhar de ternura cheio de amor e desejo dela. Os dois seguiriam em frente para ver as flores se abrir na primavera. Fechou os olhos e isso passou. Primeiro uma idéia, depois um abraço. E depois a descoberta de que o amor é essencialmente simples.

14/02/2011

Estamos contratando

A minha função nessa empresa é demitir. Não é só isso o que eu faço, mas é algo que sempre sobra para eu fazer. Dona Betina é uma senhora de, sei lá, oitocentos anos. Não aguentou o ritmo, o tranco, de uma cozinha comercial. Deve fazer muito bem suas tortas em casa e farofa com improvisos de banana e o que tiver na geladeira sobrando. Perdi meu tempo com essa cara aqui, chamo para uma reunião e ela traz a filha que é alguma coisa. Ela podia ser advogada, escrevente, astronauta, o que fosse, mas era de uma beleza clássica. Aquilo me desestabilizou. Ninguém poderia ousar uma covardia dessas, afinal era uma reunião de negócios e não um chá em família. Um homem no ramo empresarial deve saber tomar decisões de emergência, li num livro. Não me fiz de rogado e ofereci à jovem, linda, uma visita às nossas dependências. Aproveitando a cozinha já vazia, cravei-lhe por três vezes a faca de oito polegadas no pescoço. A quarta vez não pegou direito e machucou minha mão. Voltando, informei em tom seco e direto que aquela senhora estava demitida.

Never favorited a tweet of mine

Traduzido por Kenia Cris (http://poesiatorta.blogspot.com/)

I would imitate a dromedary just to make you laugh. I would do anything to make you smile, even when you couldn’t, even when you didn’t want to. Making you happy was my lifetime goal, but I guess it was not enough for you, was it? Coldness is essential when it happens, one must think about the smallest details. One will be faced with consequences someday. It may not be today or tomorrow, but there will come a day and I won’t be able to say I was clueless. I climbed the closet and got the old cigar box. A silver and mother of pearl treasure have been kept inside it. The enraged 38 gauge revolver treasure. Two shots, as soon as you looked my way, were enough to throw you against the wall. The blood spot reminded me of an inkblot in Rorschach test, where I could see the image of a love story that ended because you never favorited a tweet of mine.


13/02/2011

A mesa de olmo

Aqui em casa sempre investimos em móveis de qualidade. Na nossa sala temos uma enorme mesa em olmo, um objeto até certo ponto raro porque é trabalhado numa madeira que é muito resistente a esse tipo de intervenção humana. Essa mesa vem dos tempos dos meus avós que a trouxeram da Hungria antes da Segunda Guerra, quando o país encontrava-se em momento de pujança. Por ser o meu objeto favorito dentro de casa por causa dessa história romântica e valor sentimental, eis que faço questão de nos reunirmos sempre que possível em torno desta mesa.

E naquele dia não poderia ser diferente. Guardei a refeição mais especial de nossas vidas para aquele mesa. Nada poderia dar errado e eu cuidei de todos os detalhes. Da comida à iluminação, passando pela música ambiente. Quando ela chegou, o brilho nos seus olhos era notável. Estranhou apenas o fato da mesa estar posta apenas para uma pessoa. Pedi que ela sentasse e que aguardasse as surpresas que a noite reservava. Seu perfume era delicioso como bem posso me lembrar, pois a lembrança olfativa é muito poderosa.

Coloquei diante dela o prato que preparei para ser a entrada. Servi uma taça de vinho e esperei pela sua primeira garfada. Falando agora confesso que me precipitei, talvez estivesse muito ansioso pela ocasião. Mas ela mal terminou a garfada e já saquei meu bastão de baseball à toda força. O bastão sibilou o ar antes de acertar a sua cabeça em cheio. Não esperei reação nenhuma e nem ouvi um gemido antes de desferir todos os golpes que pude com a toda a força que consegui. A mesa era tão boa que nem riscou com as bastonadas que errei, meu avô tinha razão, facilitando todo o trabalho para limpar aquela sujeira. Aquela vaca.

11/02/2011

Champanhe nacional em copo de plástico

Nota do autor: este texto concorreu no concurso de minicontos da editora Guemanisse com o título "Um dia na vida". Não ganhou nada.

Ele sempre saía cedo pela manhã para ir trabalhar. Mochila do notebook, pasta embaixo do braço, camisa para dentro da calça. Antes de cumprir sua jornada diária, ela preparava-lhe o café da manhã e se despedia aos beijos na porta do apartamento esperando o elevador chegar. Trocavam acenos até a porta se fechar para o elevador descer. Ele ia embora, ela suspirava.

Merecido foi que ganhou um dia de folga no trabalho em troca das horas extras cumpridas até então. Acordou mais tarde do que o habitual e pegou a mesa do café já posta. Molhando o pão no café enquanto lia a página de esportes - começava o jornal sempre pelo caderno de esportes -, eis que surge sua mulher já vestida para sair. Deseja bom dia e é desejado. Beija e é beijado. Elogia sua mulher que é bem bonita.

Saía para fazer compras no shopping com a mãe. Enquanto ela esperava o elevador chegar ficou na porta para acenar quando a porta se fechasse. Disse que a amava e que aproveitasse o passeio. Ela mandou um beijo de volta. Houve um silêncio. Ela olhou o botão do elevador ainda aceso. Ele olhou para os pés. Levantou a cabeça e sorriu para a mulher. Ela sorriu de volta. O elevador chegou. A porta abriu. Ela ia embora, ele engoliu em seco.

Fechou a porta de casa assombrado pelo tempo que o elevador demorou a chegar. Percebeu naquele momento como era a vida dentro de seu próprio lar numa manhã de um dia de semana. Sons que não lhe eram familiares como o da construção do prédio ao lado. Cores intensas como a do sol da manhã que prometia o anúncio dos classificados. Cheiros como o da carne assando misturado com o refogado do arroz na cozinha do vizinho.

Era como se tivesse se despedido de uma mulher desconhecida e tivesse entrado na casa errada.

O desespero bateu forte. O coração disparou e as mãos suavam. Uma sensação desagradável lhe atingia naquele momento. Poderia descrever como o medo que vinha após um susto. Um medo de levar outro susto quando o corpo ainda estava crispado em pânico.

Os cabelos do pescoço ainda estavam eriçados quando se virou da porta para a sala que se encontrava mais escura. O janelão que dava para a rua não estava fechado, mas diminuído. Correu até a janela e só conseguiu colocar o rosto pelo buraco que ficara. Sentiu-se olhando pela escotilha de um navio. Tirou rapidamente a cabeça temendo que ficasse presa.

Olhou depressa ao redor para a sala. O sofá, a televisão, a estante de livros e enfeites. Tudo parecia normal. Pegou um porta-retrato com a foto de uma bonita mulher morena posando junto a um avião monomotor. Suando nervoso, acreditava ter ficado louco. Sua mulher não era morena nem nunca chegou perto de um avião. Largou a moldura no chão e seu vidro trincou. Numa outra foto, uma pose do time de hóquei do exército vermelho soviético. Jogou longe, bateu na parede. O vidro se fez em pedaços.

Pegou os livros e folheando o primeiro, percebeu que estava em branco. Nem na capa havia nada escrito. Assim como todos os outros nas prateleiras. Começava a arremessar livros pela sala quando passou a mão no seu chaveiro. Ia sair daquele jeito mesmo. Só de shorts do pijama. Precisava sair dali, precisava correr.

Tentando abrir a porta que o desespero bateu mais forte. Nenhuma das chaves encaixava na fechadura. Aquele era seu chaveiro da sorte desde a sétima série. Não podia falhar agora. Tentou gritar e não lhe saiu nenhum som. Nunca se sentiu tão sozinho. O teto do corredor da porta lhe espremia a cabeça. O cômodo estava diminuindo. Saiu engatinhando quando uma parede se fechou atrás de si.

Correu para o telefone da cozinha que apenas tocava uma canção de vaudeville. Nada de linha. Olhou para a mesa do café que deixara há instantes e viu que seu jornal estava todo azul. Na sua xícara brotara uma orquídea. E nos seus olhos várias lágrimas.

Dentro do quarto do casal percebeu que a porta que bateu com o vento não se abriu mais. Da janela não podia olhar porque seu vidro estava preto. Não conseguiu quebrá-lo nem arremessando o criado mudo. Virou a penteadeira (que sua vó chamava de toucador) no chão. Arrancou a persiana da parede e tirou o colchão da cama.

Arranhou a porta em total descontrole. No auge, chorando, não ouvia a própria voz. Ele chorou ajoelhado entre os destroços do quarto. Prometeu ser uma pessoa melhor.

10/02/2011

Nunca favoritou um tweet meu

Eu imitava um dromedário só para te fazer rir. Fazia de tudo para tirar um sorriso do seu rosto, mesmo quando você não podia, mesmo quando você não queria. Te deixar feliz era a minha meta de vida, mas acredito que isso não te bastou. O sangue frio é fundamental numa hora dessas, pois tudo deve ser pensado nos seus mínimos detalhes. Pagaremos por todas as consequências. Pode não ser hoje ou amanhã, mas o dia chegará e não posso dizer que fui pego desprevenido. Subi no armário e peguei a velha caixa de charutos. Lá dentro guardava o velho tesouro de prata e madrepérola. O raivoso tesouro de calibre 38. Dois tiros assim que você se virou na minha direção bastaram para te jogar contra a parede. O desenho de sangue que ficou lembrava um Teste de Rorschach no qual via a imagem de um amor que se acabou porque você nunca favoritou um tweet meu.

Esperando no bar

Estávamos voltando para casa quando ela resolveu passar no mercado. Algumas compras eram necessárias e até mesmo urgentes, insistia. Eu estava de mal humor e disse que esperaria no bar da frente. Em pé ao balcão beberia cerveja gelada, talvez comesse um pastel frio. Nosso amor já durava oito anos e era desesperador que ninguém decretasse seu fim. Ainda a avistei saindo com duas sacolas tentando se equilibrar como uma balança. Não me mexi para ajudar e esperaria que ela atravessasse a rua para tomar qualquer atitude. Estava cansado e a cerveja gelada ainda por acabar. Ela atravessava a rua meio sem jeito quando a sacola rompeu. Antes mesmo de entender o que tinha rolado no chão, um carro a atropelou. Seu couro cabeludo voou como um escalpo depois da sua cabeça arrastar no chão. Só depois consegui ver as latas de Coca Zero sambando no asfalto até o meio-fio. Aquilo não era tão necessário que justificasse a ida ao mercado.

09/02/2011

Dezesseis chutes por segundo

A cada chute que eu recebia, conseguia ouvir bem o osso se partindo. Um estalo de quebrado para cada pedaço que se esfarelava. Isso tudo a uma velocidade de dezesseis chutes por segundo faz você acreditar que está dentro de uma máquina de lavar roupa. Misturaram roupa colorida com branca e tudo que teremos em instantes é uma grande visão de vermelho. Visão em termos, pois os olhos não conseguirão ficar abertos por mais muito tempo de tão inchados que já estão. Suor e sangue se misturam para encharcar minha roupas enquanto meu corpo já nem sente mais dor. Apenas a angústia de que isso tudo termine logo para que possa, enfim, ficar estendido no chão. Morto.